Bom senso nunca
Aqui há uns dias, vinha eu de carro, quando ouvi numa estação de rádio que não reparei qual – mas que, se tiver que apostar, diria ser a RFM, já que, para mal dos nossos pecados, é a única estação que se apanha em condições em qualquer zona de Setúbal –, uma versão de “O que faz falta”, do Zeca Afonso. Até era uma versãozita anónima, daquelas que não aleijam ninguém, mas que também não justificam a sua razão de existir. Mas o que me deixou mesmo chateado foi quando o locutor identificou os autores da cantiga: “Zeca Sempre”, um tal de novo projecto nacional que homenageia a música de Zeca Afonso.
Que imaginação! Depois do flagelo que foram os “Amália Hoje” era mesmo o que precisávamos na música portuguesa: uma imitação manhosa para o Zeca. Será que eles não se cansaram da sobrexposição dos “Amália Hoje”, escondidos na falsa capa da homenagem e de releitura moderna (?) das canções de Amália Rodrigues, como se violinos no fado fosse uma coisa muito inovadora na música de Amália? E já nem estou a ser mauzinho ao mencionar a confusão de Sónia Tavares, que não consegue perceber a diferença entre cantar e gritar desalmadamente.
Eu sei que a atitude mais correcta para ter em relação aos “Zeca Sempre” era ignorar, mas o meu corpo reage com grande indignação perante tudo o que lhe transmite más vibrações e, por isso, não consegui evitar ir espreitar na Internet quem é que estava por trás do projecto. Nuno Guerreiro, Olavo Bilac, Tozé Santos e Vitor Silva, músicos reciclados, que procuram um aproveitamento do nome e a obra de Zeca Afonso, sob o mesmo pretexto de “homenagem” e de “transportar para a actualidade o seu espólio musical”.
Como é se homenageia alguém fazendo versões piores das suas músicas? A melhor homenagem não é ouvir os originais? Parece aquele caso do tributo ao Duo Ouro Negro, “Muxima”, que saiu este Natal ao mesmo tempo que uma colectânea com os melhores êxitos do duo angolano e em que a cópia vendeu mais que o produto original. A explicação só pode ser uma: melhores responsáveis pelo marketing do disco.
Só assim se consegue perceber que tenha passado quase despercebida a reedição do álbum “Com que voz”, da Amália Rodrigues. É a sua obra-prima, é o seu disco com mais edições no mundo inteiro e até é o que tem a versão original de “Gaivota”. No entanto, pouco se ouviu falar dele. Será que as pessoas preferem mesmo ouvir a “Gaivota” gritada do que cantada?
Por isso, deixem-se mas é de Amálias Hoje e de Zecas Sempre e vão ouvir os originais, porque senão o que apetece dizer a isto é bom-senso nunca.